Pacientes de fora ocupam espaço dos moradores de Campinas
Conseguir vaga para internação em hospitais públicos é uma dificuldade vivida por praticamente todos os usuários do Sistema Único de Saúde (SUS). Campinas tem cerca de 1,7 mil leitos do SUS e o mesmo tanto na rede privada, número suficiente para atender a população. No entanto, a carência e a má gestão dos leitos na região geram migração de pacientes de outras localidades para Campinas, penalizando os usuários da cidade. É o caso da menina de 12 anos atropelada e arrastada por 20 metros na última quarta-feira, no DIC 1. Ela recebeu o primeiro atendimento no Hospital Ouro Verde, mas depois ficou cerca de seis horas na sala vermelha do pronto-socorro enquanto a família e o Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu) buscavam um leito de Unidade de Terapia Intensiva (UTI) pediátrica nos hospitais campineiro. Só no início da noite surgiu a vaga, mas no Hospital Estadual de Sumaré (HES).
“O número de leitos do SUS atende a necessidade de Campinas, mas não comporta a sobrecarga gerada pela migração de pacientes da região”, afirma o secretário municipal de Saúde, José Francisco Kerr Saraiva. Segundo ele, a solução depende de ação regional, pactuada com Estado e municípios. “Caso contrário, Campinas fica construindo hospitais para atender pacientes de outras cidades, sem receber por isso e sem atender adequadamente sua população”, diz o secretário.
Kerr Saraiva diz que a inauguração do Hospital Ouro Verde, em junho de 2008, garantiu melhor assistência à população da região Sudoeste, que antes dependia do Hospital Celso Pierro, da Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUC-Campinas), referência na região Noroeste. “E as duas regiões têm populações quase que exclusivamente dependentes dos SUS”, afirma o secretário. O Ouro Verde, que atua hoje com 130 leitos, também colaborou para reduzir o número de pacientes atendidos em macas nos prontos-socorros e unidades de pronto atendimento (PA). “Antes da inauguração, tínhamos mais de 200 pacientes em macas nos PSs e PAs. Esse número não foi zerado, mas teve uma redução importante.”
A descentralização do atendimento hospitalar na Região Metropolitana de Campinas (RMC), hoje concentrada basicamente em Campinas, é uma das alternativas para garantir assistência de qualidade e desafogar os hospitais públicos campineiros, em especial o Hospital de Clínicas (HC) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), referência para uma população de 2,7 milhões de pessoas na RMC e de quase 4 milhões na região de abrangência do Departamento Regional de Saúde (DRS). As outras são aprimorar o gerenciamento dos leitos e melhorar a atenção básica. A criação dos ambulatórios médicos de especialidades (AMEs), programa do governo do Estado, também mostra bons resultados. Apesar de não ter internação, agiliza o diagnóstico, colaborando para diminuir o tempo de internação.
Má gestão
A diretora do DRS, Maria Aparecida Carricondo, diz que não há déficit de vagas na região, mas sim falhas na gestão desses leitos. “O problema é a falta de resolutividade de alguns hospitais e as deficiências da atenção básica, que geram filas nos prontos-socorros e sobrecarga nos hospitais de referência”, afirma. O superintendente do HES, Lair Zambon, compartilha a mesma opinião. “Há um estrangulamento em áreas específicas, como de leitos de UTI neonatal, por exemplo. Mas, no geral, não há déficit e sim falta de gestão dos leitos.”
Segundo Maria Aparecida, o preconizado pela Organização Mundial de Saúde (OMS) é de dois leitos e meio por mil habitantes. Por esse cálculo, o ideal para a região de abrangência do DRS, que soma quase 4 milhões de habitantes em 42 municípios, seria 9.928 leitos hospitalares. “Isso considerando atendimento a 100% da população. Como trabalhamos com a média de 80%, o número atual, de quase 8,5 mil leitos, seria suficiente para um bom atendimento. Isso se os leitos fossem bem gerenciados e tivessem resolutividade”, diz Maria Aparecida. Na RMC, são 5.663 leitos, considerando os da rede pública e privada, para uma população de 2.732.743 habitantes.
A FRASE
“Os AMEs fazem exames e diagnósticos e encaminham o paciente para o hospital só para a realização do procedimento. Isso dispensa a internação para exames, reduzindo o tempo de permanência do paciente no hospital.”
“Os AMEs fazem exames e diagnósticos e encaminham o paciente para o hospital só para a realização do procedimento. Isso dispensa a internação para exames, reduzindo o tempo de permanência do paciente no hospital.”
MARCELO RAMOS
Médico
Migração traz pessoas até do ABC para atendimento
A deficiência de leitos não é exclusividade da RMC. Sonia Brito, de 31 anos, moradora de Santo André, no ABC, veio buscar atendimento hospitalar em Campinas. Portadora de artrite reumatoide juvenil, ela desistiu de esperar os quatro ou cinco anos previstos pelo médico de sua cidade para as cirurgias de prótese. “Uma conhecida me indicou o hospital (Celso Pierro) da PUC-Campinas e comecei a me tratar aqui. Já fiz cirurgia nos dois punhos”, conta Sonia. Apesar de ter sido melhor atendida em Campinas, ela admite que buscar assistência distante de casa é bem complicado. “É longe, há o gasto de combustível, pedágio, o cansaço. Sem contar que, às vezes, você perde a viagem e não consegue a internação, porque chega alguma emergência.” O cardiopataJames Domingos, de 36 anos, não precisou sair de Campinas, mas conseguiu vaga distante de casa. Morador do Jardim São Marcos, na região Norte, ele é atendido no Celso Pierro, na região Noroeste. “É longe, mas estou na cidade e sendo bem atendido. Isso é o que importa”, diz. Ele está internado desde o último dia 19 e passaria por cirurgia cardíaca ontem. Sonia seria operada no quadril na última quinta-feira, mas casos emergenciais ocuparam sua vaga no centro cirúrgico. Como as operações de quadril só ocorrem às quintas-feiras, ela teve alta e retorna na próxima semana. (DM/AAN)
Atenção básica é o nó da questão
Pelo menos 80% dos casos poderiam ser solucionados nos centros de saúde
Além das falhas de gestão de alguns hospitais que resultam em sobrecargas nos PSs, as deficiências da atenção básica são o principal problema da assistência à saúde, conforme mostrou o Correio na edição de ontem. Segundo a diretora do DRS, Maria Aparecida Carricondo, “pelo menos 80% dos atendimentos de saúde poderiam e deveriam ser solucionados na atenção básica”. “Não adianta construir mais hospitais. A questão é preparar a atenção básica para prestar o atendimento devido.”
Maria Aparecida lembra que o objetivo da política nacional de saúde é diminuir e não aumentar a hospitalização. “As internações devem ser criteriosas, só para quem precisa mesmo. Mas, para isso, é indispensável melhorar a atenção básica”, afirma. A profissional cita como exemplo a sobrecarga na área neonatal. “São muitos bebês prematuros e de baixo peso, que precisam de internação em UTI. Na maioria das vezes, isso acontece por falhas no pré-natal”, diz.
A dificuldade que a maioria dos municípios encontra para contratar e fixar médicos nas unidades básicas de saúde é um dos desafios da área. (DM/AAN)
Correio Popular
Delma Medeiros
DA AGÊNCIA ANHANGUERA
Nenhum comentário:
Postar um comentário