15/10/2009

OSS - É tempo de ampliação

São Paulo, quinta-feira, 15 de outubro de 2009
TENDÊNCIAS/DEBATES
As OSS são uma vitoriosa experiência de gestão e de participação da sociedade civil nos destinos de algo caro à população: a saúde
LEMBRO-ME BEM de uma conversa que tive em 1993 com o então senador Mario Covas, que se restabelecia no InCor de uma cirurgia por mim realizada. Naquela tarde, provavelmente já com a cabeça de futuro governador, olhando para o esqueleto do prédio onde hoje é o Instituto de Câncer Octavio Frias de Oliveira, ele demonstrava esta preocupação: como fazer com que os vários hospitais inacabados do Estado, quando finalizados, funcionassem bem. Sua preocupação era legítima, uma vez que a administração direta, modelo exclusivo até então vigente, era pouco ágil e não afinada com os modelos de gestão mais modernos empregados pelos hospitais privados, tanto os filantrópicos quanto os com finalidade lucrativa. Sugeri, então, que pensasse na possibilidade de que instituições filantrópicas respeitadas fizessem a gestão desses hospitais, o que seria uma importante contribuição para o setor público da saúde. Já em campanha, Covas desenvolveu a proposta com o secretário Guedes, que teve o mérito de implantar com maestria as primeiras organizações sociais de saúde (OSS). Com as devidas adaptações e o consequente amadurecimento, apareceram os resultados: com pouco mais de dez anos de história, gasta-se 10% a menos para atender 25% a mais. Sem dúvida, isso se deve à profissionalização da gestão em seus vários níveis e à possibilidade de poder criar políticas competitivas de salários, compras e investimentos. Adicionalmente, passou-se a trabalhar com alguns dos imprescindíveis indicadores de produtividade e qualidade, pouco ou nada utilizados em hospitais com administração direta, e, mais ainda, avaliando a satisfação dos usuários. As OSS são uma vitoriosa experiência de gestão e de participação da sociedade civil nos destinos de algo que é caro para a população, que é a saúde. Assim, acerta o governador Serra ao sancionar lei que permite expandi-las para hospitais já em funcionamento, uma vez que não é lógico não estender essa alternativa para hospitais já existentes e que podem se beneficiar desse modelo de gestão. Contudo, há barreiras a vencer com a medida, das quais a principal talvez seja a dificuldade de harmonizar uma nova e mais dinâmica cultura operacional entre funcionários adaptados a outras formas de trabalhar, sem maiores ingerências quanto à produtividade e qualidade do trabalho. E o futuro? Acho que existem alguns pontos que merecem atenção para a expansão do modelo. 1) O Estado tem que exercer amplamente seu papel de normatizador e controlador. 2) É primordial a administração plenamente informatizada. 3) A gestão do conhecimento deve ser um próximo e rápido passo, por possibilitar melhoria da qualidade de atendimento e utilização dos recursos econômicos disponibilizados, assim como a instalação dos indispensáveis indicadores de qualidade. 4) A qualidade de atendimento passa pelos médicos, que necessitam de apoio para programas de educação continuada e remuneração apropriada, o que diminui a necessidade de vários empregos e, em consequência, facilita a dedicação institucional. O modelo de remuneração deve incluir melhores salários, bônus por produtividade/qualidade do atendimento e honorários participativos pelo atendimento de pacientes com planos de saúde, que devem ressarcir os hospitais públicos. 5) Finalmente, as instituições filantrópicas competentes para atuar com o Estado em OSS são finitas (aliás, alguns Estados da União têm problemas para desenvolver OSS por esse motivo em especial). Portanto, uma futura relação com entidades privadas lucrativas para fazer a gestão terá que ser pelo menos discutida, a exemplo do que acontece em alguns países. O fato é que as OSS podem não ser o único caminho para a melhoria da gestão dos hospitais públicos, mas sem dúvida representam um grande avanço e devem ser continuamente aprimoradas na sua estrutura e organização. Em benefício da população e em respeito aos impostos pagos pelos cidadãos.
RAUL CUTAIT , 59, membro da Academia Nacional de Medicina, é professor associado do Departamento de Cirurgia da Faculdade de Medicina da USP e presidente do Instituto para o Desenvolvimento da Saúde. Foi secretário da Saúde do município de São Paulo (gestão Paulo Maluf).Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
Editorial veiculado pela Folha de São Paulo, 15 de outubro de 2009.

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